Vale do Fim | Capítulo 40 (Parte 1)

A Antártica era um local gélido e
muito solitário. Adam podia comprovar isso. Sentia-se só e gelado, sem
qualquer tipo de companhia sem ser o televisor e o computador que George
lhe deixara. A noticia de que ele morrera chegara aos noticiários um
dia após a sua partida. Isso fez o menino chorar. Ele fora a sua única
companhia nos últimos meses, e, além disso, como um menino da sua idade
ia sobreviver sem o auxilio de um adulto. Adam tinha muitos alimentos,
George providenciara isso, mas o que aconteceria quando eles acabassem?
Foi aí que o menino percebeu que tinha de abrir o cofre, que tinha de
descobrir o que George lhe deixara ali dentro.
Foi buscar o
código que se encontrava na mesa de cabeceira do quarto que partilhavam e
pendurou-se num banco. O quadro era grande, Adam teve receio que não o
conseguisse tirar, mas ele era bastante leve, o que fez o rapaz pensar
que estava tudo preparado para que alguém mais fraco como ele
conseguisse tirar aquela pintura dali.
Digitou o código e o
cofre abriu-se. Estava cheio de cadernos, de livros e tinha uma caixa
mesmo na abertura. Adam retirou a caixa e abriu-a. Continha um pen
drive. O menino saltou do banco com o objeto e correu para conectá-lo ao
seu portátil. Tinha dezenas de pastas, mas o que ele abriu primeiro foi
um vídeo, um vídeo chamado Projeto ADAM! Aquilo deixou-o confuso, ele
não era uma falha do Projeto Hibrido? Sempre fora isso que lhe contaram,
que ele tinha sido a única exceção à regra, ele tinha sido o único
rapaz normal que tinha conseguido matar o híbrido. Pelo menos era o que
todos lhe contavam! Também lhe contavam que George guardava muitos
segredos, e se ele era um dos seus projetos, isso era verdade. Isso fez o
rapaz ficar triste, era tão novo e já estava a ser usado, provavelmente
aquele homem que o acolhera aqueles meses todos, que o levara para a
Antártida… provavelmente ele nunca gostara realmente dele, apenas
precisava dele.
Receoso, carregou duas vezes seguidas no botão
do rato do seu computador e abriu o vídeo. Era uma gravação de George.
Parecia ter sido gravada na Área X. Adam aumentou o volume da coluna e
ouviu atentamente o que o homem que esteve com ele naqueles últimos
meses tinha para lhe dizer.
“Olá Adam! Se estás a ver esta
gravação significa que eu provavelmente morri antes de completares vinte
anos. Não sei com que idade estás a ver isto, mas eu prometi a mim
mesmo que se completasses vinte anos e eu estivesse vivo, seria eu a
dizer-te o que vou dizer através desta gravação. Por isso se a estás a
ver eu não cheguei a ver-te completares as vinte primaveras. Projeto
ADAM, desculpa ter posto esse titulo no ficheiro, mas eu tinha de te
chamar a atenção. Tu não és um Projeto, quer dizer tu és um Projeto, mas
não és como os outros. Como te hei de dizer isto, tu és o meu projeto,
tu és eu, nós dois somos um!”
Adam teve de pausar o vídeo.
Talvez fosse por ser ainda muito jovem, mas não estava a perceber o que
George queria dizer, ou então até estaria. O que George estava a querer
dizer é que ele não era um clone de Adão, era um clone dele! Ele era um
clone do homem que o acolheu. Aquilo dava-lhe um misto de curiosidade e
receio para continuar a ver a gravação, por isso mesmo apertou novamente
o botão para continuar a ouvir o que o homem tinha para lhe dizer. Pelo
aspeto mais jovem que tinha, o vídeo parecia ter alguns anos, talvez
ele o tivesse gravado há dez anos atrás, quando ele nascera.
“És o meu clone! Chamei-te Adam porque não te podia chamar George!
Chamei-te Adam em homenagem ao meu falecido irmão, porque ele e o August
sempre foram os únicos que me compreenderam! Foi difícil conseguir
criar-te sem que houvesse qualquer tipo de desconfiança. Quando os
primeiros experimentos começaram eu percebi que teriam sempre de nascer
duas crianças, o hibrido, e um bebé normal, que morria por não conseguir
resistir ao seu poder. Se só crescesse uma criança, se eu só colocasse
as minhas células tronco, o meu filho iria desconfiar, e eu sei como ele
é, ele não descansa enquanto não souber tudo. Ele não podia sequer
pensar que eu planeava criar-te! Eu deitava fora as células tronco do
Adão e deixava o frasco sujo, misturando-as com as minhas. Havia
hipótese delas não morrerem, as do Adão eram poucas e poderiam não
afetar em nada, mas das duas primeiras vezes os meus dois clones
morreram! Não desisti e tentei uma terceira! Nasceste tu! Tu és a
exceção à regra, tu és aquele que sobreviveu, tu és aquele que tem o
destino de continuar o meu legado!”
Adam parou novamente a
gravação. Era muita informação para uma criança de apenas dez anos
assimilar. Ele não sabia sequer o que eram células-tronco, não sabia bem
qual era o objetivo de George para ele, mas sentia-se triste, como ele
iria concretizar o sonho do homem se estava sozinho, sem ninguém ele não
iria sobreviver mais de duas semanas. Apertou novamente o botão para
ouvir mais do que aquele que o criou tinha para lhe dizer.
“Um
homem como eu não pode desaparecer, eu mereço ser eterno! Promete-me
Adam, assim que tiveres oportunidade, clona-te, não esperes tanto como
eu, tu tens a técnica que eu não tinha quando era mais novo, não morras
sem criares a tua cópia, a nossa cópia! Sem nós o mundo não será o
mesmo! Terás gente para te ajudar! Algumas apenas estarão por interesse,
outras estarão perto de ti porque têm confiança em mim! E não te
preocupes se algo acontecer e eu for odiado por todo o mundo, ninguém
sabe quem tu és! Apenas uma pessoa, e essa pessoa vai ajudar-te se eu
tiver de te deixar sozinho se as invasões acontecerem muito antes de
atingires a idade que eu elegi para te contar a verdade!”
Aquilo fê-lo novamente parar a gravação. Havia apenas uma pessoa que
sabia que ele não era um clone de Adão, que ele era o clone de George.
Ele queria saber, precisava de saber quem era, ele não podia ficar mais
sozinho, iria morrer ali se o ficasse.
“O contato dele estará
no mesmo local onde estará esta caixa. Por falar nisso! Preciso de te
contar mais pormenores. Quando terminar de gravar este vídeo eu irei
colocar esta gravação num pen drive que irá também conter todos os
ficheiros digitais com as minhas anotações sobre o Projeto Hibrido e
todos os Projetos que ainda tinha em mente que complementariam ainda
mais os clones. O mundo não estaria ainda preparado para tal avanço,
bastou ver o que aconteceu quando eu me desloquei com o avião
supersónico pela primeira vez! Eles têm medo do futuro, não lhes poderia
mostrar tudo o que tinha na minha mente! Quero que o vás fazendo aos
poucos, mas não quero que pares, quero que avances rapidamente, com a
ajuda desse meu precioso contato! Se algo me acontecer eu vou tirar esta
caixa e todos os livros daqui e leva-la para a Antártida, aí não
precisarás de ligar para o contato, ele estará lá!”
Adam parou
de imediato a gravação assim que ouviu aquelas palavras. Perdeu a
esperança, aquele homem que George falava na gravação, ele estava
provavelmente morto, ou tinha desistido de ajuda-lo. Não havia ali
ninguém. Ele tinha a certeza disso.
“Se estiveres a ver isto
na Antártida, vai até ao cofre e puxa a alavanca do lado esquerdo! Verás
que não estás sozinho! Verás que estarás com a segunda pessoa em quem
eu mais confio!”
O menino assim o fez subiu novamente o
pequeno banco e viu uma pequena alavanca no lado esquerdo do cofre!
Puxou a alavanca e a parede moveu-se! A parede era uma porta, uma porta
que dava acesso a uma sala. Era uma sala cheia de computadores. Naquele
momento ele via erro em todos os computadores e a mensagem “Sala
principal invadida! Híbridos sem controlo”. Era uma sala semelhante à
sala de controlo da Área X. Ele nunca tinha entrado nela, mas tinha
ouvido George falar dela e assemelhava-se àquela em que estava. Ele
devia ter construído uma outra, ele devia ter-se precavido caso algo
corresse mal.
Olhou para o fundo e viu quatro corpos. Três
eram clones do Adão, um outro não reconheceu de imediato. Olhou melhor
para ele e conhecia aquela face. Tinha uma cara mais nova, mas era ele,
ele reconheceria o Santiago mesmo que ali tivesse vinte anos. Bateu-lhe
no braço para que ele acordasse! Ele não acordou. Não estava gelado,
tinha cor, por isso não poderia estar morto. Os híbridos também não se
moviam. Aquilo estava a assusta-lo, porque Santiago estava ali mais novo
do que ele era na Área X, porque é que aqueles híbridos estavam ali,
porque é que nenhum deles reagia ao seu toque. Olhou para o lado e viu
um frasco e uma seringa. Injeta-me na barriga, dizia o autocolante
colado no frasco. Isso assustou Adam. Ele nunca tinha injetado nada em
ninguém, mas naquele momento fazia sentido o que George lhe ensinara
dias antes de partir para vale do fim, colocar soro numa seringa e
injetar num boneco. Era para aquele momento que ele o estava a preparar.
Era para acordar o rapaz que o podia salvar.
Adam injetou o
liquido na barriga de Santiago. Passados poucos segundo ele acordou. O
menino assustou-se quando o rapaz lhe agarrou o braço com uma respiração
bem ofegante. Estava vivo. Ele não percebia como, como era possível ele
estar ali vivo sem comer, sem beber, sem acordar.
- O pai morreu! – Declarou Santiago sem precisar de confirmações.
- O Santiago que conheci era mais velho que tu! – Respondeu de imediato
o menino. Aquele não podia ser o Santiago que aparecia na televisão.
- Eu sou um clone dele! Sou aquele que te vai ajudar a fazer um mundo à imagem do nosso pai!
Santiago falava de uma forma que arrepiava Adam. A forma de falar nada
se assemelhava à do verdadeiro, à daquele que ele conhecera na Área X.
Ele falava de uma forma mais fria, de uma forma muito mais semelhante à
de George.
- Vamos! Deves estar a ver a gravação! – Disse
Santiago, assustando ainda mais o rapaz. A forma como ele parecia saber
tudo assustava-o.
Seguiram até ao aparelho onde Adam assistia
aquilo que George tinha gravado. Daquela vez fora o clone de Santiago
que apertara o botão.
“Quando vires que é um Santiago mais
novo que se encontra em sono profundo a ajuda que vais encontrar, isso
pode-te deixar um pouco assustado se fores muito novo. Eu irei tratar
disso e se algo correr mal, eu tentarei ensinar-te a injetares o liquido
que o acordará. O Santiago está em um estado que eu gosto de designar
Hibernação”
Adam teve de pedir para parar o vídeo outra vez.
Os humanos não hibernavam, como Santiago sobreviveria mais que dois dias
sem comer. Santiago olhou para ele, com o mesmo olhar vazio que um
qualquer clone de Adão e isso fê-lo tremer da cabeça aos pés.
-
Posso? – Perguntou Santiago e o rapaz respondeu logo que sim, com medo
que aquele rapaz de vinte e poucos anos o agredisse ali.
“A
população mundial tem crescido de forma vertiginosa, e consequentemente
os recursos vão sendo cada vez menos para uma sociedade cada vez mais
consumista. A pensar nisso eu tinha de criar algo, e o Santiago
sobreviveu assim dessa forma. Ao longo de quinze anos eu estudei e
testei em humanos um sedativo com várias proteínas, que nos colocasse
num estado de sono profundo, mas que nos mantivesse vivos por dias,
semanas, meses! Não precisaríamos ingerir nada durante tempos, iria ser
uma mais valia e os recursos iriam ser poupados! Durante a minha
pesquisa algumas pessoas morreram, mas eu consegui. Nessa altura o
Santiago completara dez anos, e estava numa expedição na Antártida com
uma equipa liderada por um membro do GDC. Nunca ninguém soube da sua
existência, só tu, esse membro e eu!”
- Como é que foste
criado? Tu tens mais de vinte anos, não podes ter sido criado no Quarto
da Ovelha! – Declarou Adam confuso, fazendo Santiago parar a gravação
mais uma vez.
- Muido, és muito novo para entender, mas uma
grande experiencia não se cria da noite para o dia, não quero que penses
que foi só criar o Quarto da Ovelha, colocar um cientista e um ajudante
e o primeiro clone saiu logo, perfeito, como qualquer um dos clones do
Adão. Não! O nosso pai ele perdeu muito tempo de pesquisas com outros
cientistas, muito antes da Área X ser criada. Ele usou as células tronco
do Santiago nas primeiras experiencias realizadas. Muitos morreram,
muitos saíram deformados. Foi necessário algum tempo até à minha
criação!
- Então o George já tinha clonado antes de chegar à Área X? – Perguntou Adam, inocentemente.
- Claro, miúdo! Ele criou-me como uma precaução. Ele tinha medo que as
ideias do seu verdadeiro filho fossem corrompidas, ele ia infiltrar-se
na equipa do nosso tio August e sabia que isso podia fazê-lo virar-se
contra ele. Não se enganou! O nosso pai nunca se engana e o rapaz que me
criou provavelmente lutou contra ele no final! Estou enganado?
- Foi uma mulher que matou o George. Alina, as noticias falavam em Alina! – Disse Adam.
- A nossa prima! Uma dor de cabeça para o nosso pai! Sabes a bengala
que ele sempre usou? Ela foi a culpada, ela deu-lhe um tiro no joelho
para conseguir fugir dele. Um dia eu estarei frente a frente a ela, e eu
próprio a matarei! – Disse Santiago com um rancor tão grande e num tom
tão sombrio que voltou a assustar Adam!
- E como não morreste?
Há quanto tempo estavas naquele sono profundo? – Perguntou Adam para
mudar um pouco o tom da conversa.
- O nosso pai já explicou
isso na gravação, a administração daquele liquido no nosso corpo
consegue ser muito eficaz. Tu bebes, adormeces e só acordas quando
alguém te injeta o que injetaste a mim, uma quantidade de adrenalina
enorme para que o corpo seja reativado. Se ninguém nos acordar por
meses, bem, podemos morrer! Se tu não me voltasses a acordar, eu
morreria, mas o pai soube o que estava a fazer! Agora vamos ouvir o
resto da gravação! – Disse, premindo o play logo de seguida.
“A expedição na Antártida não deu certo, eu e o meu fiel companheiro da
GDC fizemos para que não desse. Tudo o que queríamos era mesmo uma base
abandonada neste continente gelado! Foi assim que o Santiago sobreviveu,
ingeria uma dose do suplemento que o colocava a dormir e passados três
meses eu vinha injetar-lhe a adrenalina para que ele acordasse. O meu
amigo acabou por me trair e ele ficou sozinho na Antártida. Neste
momento em que gravo isto, estou a construir a nova sala de controlo,
caso esta seja danificada.”
- Ele vinha sempre aqui? De três em três meses? – Perguntou Adam!
- Sem falhar em nenhum prazo. Acabava por ficar comigo alguns dias,
para me alimentar melhor, para ter forças para aguentar mais três meses!
Nesses dias falávamos de tudo, ele era a minha única companhia na vida
de solidão que eu tinha, embora dormindo não fizesse muita diferença ter
aqui alguém ou não!
- Eu estou aqui há vários meses… tu… nunca te tinha visto. Como?
- O nosso pai chegou a misturar o liquido na água várias vezes! – Declarou Santiago.
Aquilo fazia sentido. Ele adormecera várias vezes na mesa logo após o
jantar. Acordava depois, já na sua cama. Não tinha a noção do tempo, mas
poderiam ter passado dias, ele não teria como saber.
- Eu
cheguei a vir até ao quarto ver-te! O George deposita uma grande
confiança em ti, tu és muito importante para desenvolver o legado dele!
És muito importante para aquilo que ele quer fazer no mundo! Nós somos
os únicos em que ele depositou confiança para seguirmos o legado dele!
Temos de o honrar! Temos de fazer o que ele quer. Eu sei a formula do
liquido do sono e tenho doses de adrenalina para anos! Nós vamos
conseguir. – Disse, apertando mais uma vez o botão.
“Como
podes ver Adam, tu não estás sozinho! Infelizmente não estarei ao pé de
ti e do Santiago para testemunhar e festejar com vocês as conquistas que
irão fazer, mas sinto-me honrado, em deixar-vos a vocês todo o meu
conhecimento, sei que irão utilizá-lo bem! E prometam-me, seja cinco,
dez, vinte anos após a visualização desta gravação, eu só quero que me
prometam uma coisa, que a vossa primeira ação seja em Vale do Fim, quero
que destruam aquela aldeia, quero que acabem com todos os que lá vivem,
quero que ela deixe de existir no mapa.”
- Ele quer que matemos pessoas? – Disse Adam assustado. – Eu não sei se consigo matar?
- Claro que consegues, os genes do nosso pai estão-te no sangue! Irás
crescer e cumprir a tua missão. Um dia seremos o George que morreu por
estes dias. Um dia seremos o maior temor da humanidade.
Adam
ficava cada vez mais assustado, a cada palavra que ouvia de Santiago.
Ele nada tinha a ver com o verdadeiro, parecia um cientista louco e
pensou que poderia nem conseguir cumprir a tarefa que George lhe tinha
dado, ele não sabia se conseguia matar pessoas e, além de tudo, se
conseguiria sobreviver com aquele rapaz louco que parecia poder matá-lo a
qualquer instante! Apenas o futuro poderia dizer para o que ele estaria
reservado!
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